“Regulamento: s.m. Ato ou efeito de regular.
Estatuto, instrução que
prescreve o que se deve fazer: regulamento de polícia.
Conjunto de prescrições que
determinam a conduta de militares em qualquer circunstância.
Conjunto de regras para qualquer
instituição ou corpo coletivo.
Conjunto de disposições
governamentais que contém normas para execução de uma lei, decreto etc.:
regulamento do consumo de água.
Ato de determinar, de regular em
geral: regulamento de um negócio.”
Ingênuo que
estava e brutalmente atordoado pelas marretadas que me davam a vida, não
presumia que ali, no caos, estava concentrada toda uma matéria em transformação
e que ao longo do ano aquilo deveria me servir para que algo novo nascesse
entre observações, reflexões e experimentações.
As variáveis eram
boas. Vestibular feito. Pontuação suficiente. Comecei a pensar já cedo em me
dedicar àquilo que sempre me foi de interesse incessante, ao estudo dessa mãe
louca chamada Filosofia. Mal comecei a falar das possibilidades e as vozes que
oscilavam entre medo e norma falaram austeras acerca dos “bons modelos de
vida”. Todos engajados e bem vestidos com as opiniões religiosas, mas o deus
citado tinha outro nome: dinheiro. Dessa forma, quando o dedo foi clicando na
opção de curso pretendido, fui um herege frente às normas dessa religião
comportamental que encoraja aqueles que nunca tiveram coragem de fazer o que
realmente quiseram a passar sua tradição para frente. Sem muita opção, dado o
caos estabelecido, fui vencido pela tradição do “medo das possibilidades”, mas segui
caminho adentro naquilo que me era possível, afinal tudo é conhecimento.
O curso foi
Matemática Industrial. Proposta excelente, excelentes professores, excelentes
aulas. Fui presenteado não só com a possibilidade de estar numa universidade
que esta entre as melhores do Brasil, mas com um departamento especialmente
fantástico, diria ser um departamento “sui generis”. Secretárias,
coordenadores, professores e trabalhadores dos mais diversos serviços com
atuação impecável de suas funções. Tinha encontrado naquele local não só uma
ideia fantástica, mas uma experiência sensível com pessoas realmente
singulares. O que faltava então? A opção, eu diria.
O ano de 2013 foi
se revelando uma cossenóide e os pensamentos buscando a razão de estar ali.
Afinal, é o mínimo para alguém que gosta de Filosofia, estar incomodado.
Dediquei-me então a passar o ano todo pensando, refletindo, me questionando e
analisando todas as variáveis que me prendiam àquela condição. Sem querer já
estava pondo-me a exame, logo no primeiro semestre do curso. Terminei o
semestre imensamente incomodado com as perguntas que pareciam gerar cada vez
mais perguntas e não respostas. Ao consultar outro, ninguém questionava a tal
“noção primitiva” que era objeto de fé deles. Era para estar ali porque precisava
viver bem, porque necessitava de dinheiro para ter um futuro brilhante. Enfim,
segundo os outros, estar ali era quase disciplinar: lugar certo, ação certa e
tempo certo.
Resolvi então
começar o 2º semestre de forma provocadora e apertando a ferida do social até
ver o pus, enfiei no meio das disciplinas do curso algo de sombrio, algo de
macabro para esse tipo de gente: Introdução à Filosofia. Precisava por a exame
tudo aquilo que me angustiava e me causava incomodo além do comum. Ali sim
respirei ar puro e senti realmente estar no meu lugar certo, fazendo a minha
ação certa e no meu tempo certo. Estudamos de Hesíodo a Foucault sob a
orientação do grande professor Emanuel Germano, e a fornalha dos
questionamentos foi aquecida outra vez. O fogo da forja que surgia foi vista
pelos adeptos do normativo como inferno, mas foi para mim a centelha que deu
vida ao tal martelo dos ídolos. Com ele em mãos, fui esmagando aquelas certezas
que haviam me imposto como o modelo ideal de felicidade.
Meu objetivo em
escrever essa história é alertar não só a leitor, mas quem ainda está confuso
acerca de que carreira escolher na vida, sobre o maquinário brutal que se
constitui de uma composição harmônica entre mídia, status e preço – não falei
de valor aqui, falei de preço – que sempre sussurra aos ouvidos das massas
sobre qual é a vida que você deve viver para ser bem sucedido. É aquilo que se
chama de ditadura da felicidade, ou melhor, normatização da felicidade. Aliás,
o conceito de modelo de vida ideal é antigo e remonta os conceitos propostos
pelo filósofo grego Platão. Dizia ele que nossa função aqui é determinada pelo
cosmo e que a liberdade é algum tipo de defeito que permite muitas vezes com
que nos afastemos daquilo que estamos predestinados, segundo os dizeres do professor
Júlio Pompeu, coautor de “A Filosofia Explica as Grandes Questões da
Humanidade”, ao lado de Clóvis de Barros Filho, professor de Ética da ECA na
USP.
Para famílias que
vão de ricas a pobres – afinal falta de compreensão e incentivo não tem necessariamente
classe social – parecem existir apenas três cursos: Direito, Medicina ou
Engenharia, os outros sempre são motivos de decepção, porque parecem ser sempre
aspirantes a uma área de destaque no mercado. O estado ainda ajuda a mídia a
preservar a sua parcela de “idiótes”. Daqueles que aceitam as condições que não
participam.
Surge então a
segunda fase dos incompreensíveis (ou deveria dizer incompreendidos?), àqueles
que sucumbem as tais “segundas opções”. “É, não deu para medicina, então faz
enfermagem, é muito parecido e vai ter elementos do que você gosta!”, “Não deu
Engenharia? Tenta então para Arquitetura, quase a mesa coisa!”. Apesar desse
tipo de incentivo ter levado muitos alunos que não tinham a menor noção do que
queriam a se encontrar, são eles os responsáveis também pelo reconhecimento de
outras áreas do conhecimento como ascendentes a outras, por exemplo, a frase
imbecil: “Arquitetura é o curso do cara que não é macho suficiente para fazer
Engenharia e nem viado de mais para fazer Design de Interiores”. Esse tipo de
argumento não valoriza o curso e nunca reconhece o real sentido, a real
proposta da área, criando redes de ignorância que tratam sem cuidado a
concepção de futuro profissional de um cidadão.
Você que é pai ou
mãe, saiba reconhecer as aptidões dos seus filhos e incentivem isso ao invés de
destruírem um futuro brilhante com promessas de um futuro que deveria ser o
seu, mas você nunca teve coragem de encarar. O futuro do seu filho,
principalmente no que concerne a negação de suas aptidões naturais, dão
fundamento exato ao famoso jargão: “O seu filho como Engenheiro é um ótimo
poeta”. Duro de escutar? Talvez. Mas o ato é bem pior. Garanto que viver a
degradação de um país pelo incentivo ao normativo é muito pior e você está
contribuindo também para péssimos profissionais no mercado.
A sociedade
disciplinar está aí estabelecida para garantir que modelo de vida você deve ter
para agradá-la e está incluso no pacote algo que te afaste bem do pensar. Dizem
por aí que o Brasil precisa de mais profissionais da tecnologia, especialmente
àquelas voltadas para a construção do celular da moda que te faz gastar tubos
de dinheiro para ficar com a cara enfiada em uma tela enquanto não aproveita a
vida real. Troca à vida real pela virtual. Alegoria da Caverna para quem é
desse partido.
Como diria Darcy
Ribeiro, a crise na educação não é uma crise e sim um projeto.
A crise na
educação começa dentro de casa, no incentivo que você da ao seu filho, ao seu
neto, quando mostra para ele que a profissão mais importante é aquela de maior
preço e não de maior valor. É por esse tipo de coisa que o professor,
profissional mais importante para o desenvolvimento social, se torna o
profissional menos valorizado e continua sendo. As mentes dominantes exigem que
você pense menos nisso e estão enganados aqueles que acham que dominação só se
exerce por violência, pois a mídia ta aí para provar o contrário.
Muitos podem
pensar que o que falo aqui é para desencorajar as pessoas a buscarem áreas como
Medicina, Engenharia ou Direito. Se pensou assim, não entendeu nada do que
disse. No fim é claro, se é o que você gosta, faz com prazer e sente que tem
aptidão para isso, FAÇA! Medicina, Engenharia e Direito são áreas promissoras e
riquíssimas de conhecimento, mas não denigra as outras áreas pela valorização
que o governo da a elas, há pessoas comprometidas lá dentro e todo curso tem
uma proposta, um motivo e uma razão de existir. Pessoas extraordinárias e
mentes brilhantes são capazes de tornar esse local em que vivemos, chamado mundo,
algo mais vivível, mais interessante, mais plausível e elas não estão
concentradas apenas nessas três áreas. Valorize isso e repense esse tal
Regulamento da Felicidade.
Nathan Carneiro Parente
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