“Quem se importa?
Isso aqui é um grande espetáculo. O que importa é como você é percebida.” –
Haymitch (Jogos Vorazes, página 149).
O
que realmente importa? O que importa para cada integrante desse grande jogo? O
que importa para quem idealiza esse tipo de competição? Até onde é aceitável
que manipular uma vida para garantir o entretenimento? E isso se for realmente
apenas isso.
É
algo quase comum que em algum momento da vida tenhamos nos perguntado como uma
determina pessoa vive e talvez isso seja alimentado quando lemos alguma
história. Ao lermos um livro entramos na vida do personagem e até nos vemos
nele realizando um processo de catarse quando
de alguma forma ele passa por algum problema semelhante ao nosso.
“Todo ser
humano real é representado aos olhos de um outro ser, também real, que o
enxerga não necessariamente da maneira que ele é ou imagina ser. Na vida, como
na arte, existem representações, existe invenção sobre o que vemos e sentimos.”
(Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil, página 36).
Essa
necessidade vai consumindo a pessoa e quanto mais ela alimenta esse “vício”,
mais ela quer e daí nasce grandes leitores que às vezes não se contentam
somente em ler e começam a criar suas histórias e esse ciclo vai sendo mantido.
Acontece
que nem todos possuem acesso a alimentar essa necessidade por ficção por meio
de uma leitura ou, na maioria das vezes, nunca foram iniciadas a uma leitura
que proporcione essa sensação de se ver em um personagem. E como teatro, cinema
e livro são de difícil acesso, surge as novelas.
“É evidente o
sectarismo ou elitismo a respeito da possível 'felicidade' alheia. Não é a
reiteração que cultiva a alienação. É o social excludente que o faz. É óbvio
que é muito mais prazeroso, depois de oito horas de trabalho, quatro ou cinco
de condução cheia, trânsito engarrafado e salários miseráveis, 'vegetar' com o
folhetim eletrônico do que com Machado de Assis. Isto na hipótese, improvável,
de que o receptor em questão tenha sido iniciado à leitura de Machado por professores
que freqüentaram a universidade e que tenham sido por ela iniciados à obra do
autor. Iniciação feita e Machado de Assis apreciado, é também necessário que
ainda restem forças ao leitor para resistir à alienação após um dia imerso nas
conseqüências do nosso capitalismo selvagem.” (Roleplaying Game e a Pedagogia
da Imaginação no Brasil, página 47).

Então
nós já temos um sistema: o ser humano tem a necessidade de ficção, mas o “pião”
não tem acesso, daremos TV fácil para atender essa necessidade, complemento com
um modelo educacional falho e pronto, já temos uma forma de controlar. Só que
com o passar o tempo as histórias das novelas vão se distanciando da realidade.
O que fazer? Daremos um pouco de cada necessidade e isso me lembra logo os
programas policiais que dão exatamente mastigada a raiva para a população.
Proporciona que a pessoa sinta algum tipo de ódio.
Lembre-se
que uma vida não pode ser controlada, somente induzida. Então temos uma TV que
aos poucos vai induzindo a pessoa para um caminho tão fechado que consegue
prender aos poucos a pessoa. Apesar disso não devemos subestimar a nossa
inteligência e muito menos a dele.
“Mil
dificuldades são usadas como argumento para justificar a falta de repertório e
precariedade de expressão das novas gerações no Brasil. As famílias estão cada
vez mais pobres, o sistema escolar público destroçado, os educadores mal
remunerados, desmotivados para promover a leitura. Tudo isto é verdade. É
verdadeiro também que só com uma decidida vontade política estes problemas
estruturais serão resolvidos. Acontece que, da mesma maneira que o baixo padrão
aquisitivo não elimina a vontade de comer, também a ausência de estímulo
oficial não impede a necessidade de sonhar, de falar, de comentar a realidade
em que se vive.” (Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil,
página 173).
A
realidade pintada em novelas, programas policiais, jornais sensacionalistas e
outros tipos de programa vão cansando, porque de tanto mostrar aquilo algumas
pessoas conseguem ver o que está por trás ou então nem dá mais atenção.
Então
vamos dar a realidade nua e crua para a população: Big Brother Brasil, Casa dos
Artistas, A fazenda. Programas que pegam pessoas “aleatórias” fazem com que
elas disputem mostrando o que existe de pior no ser humano. Tudo bem, estou sendo
pessimista, existem momentos românticos, de carinho, de amizade... será?
Se
você já leu/assistiu Jogos Vorazes e Show de Truman, somente alguns exemplos,
sabe como os donos do jogo são capazes de manipular para que seus jogadores
sigam exatamente o que querem. Para vender a realidade para a pessoa mudam
regras, criam conflitos onde não existia, induzem amizades, romances e tudo o
que for necessário para manter o programa no ar, tudo bem pensado desde o
início do jogo e se um dos jogadores sai do rumo desejado, ele será eliminado.
Tudo
isso para garantir o entretenimento? Claro que não. Em Jogos Vorazes toda a
ideia por trás é política. Mostrar para os Distritos subordinados a Capital de
que eles são superiores e podem fazer o que quiser com a vida dos Distritos; já
em Show de Truman os idealizadores cercam todo o mundo de Truman com produtos e
assim aqueles que se identificam com sua história serão induzidos a consumir o
mesmo produto; o BBB é o mais “genial de todos”.
Além
de todos os produtos comerciais escancarados, o lado político é forte. Vejam
que na edição desse ano eles enfatizaram a ideia de realmente pegar pessoas
aleatórias que formassem a cara do Brasil. Ou seja, assumiram que todas as
edições anteriores foram manipuladas, mas essa não, essa é para ser a cara do
Brasil.
Um
“Brasil” composto em maioria pela região sul e sudeste, com pessoas alegres,
com seus preconceitos escancarados e que assumem sim que cometeram assassinato enquanto serviam ao exército ou tudo foi mais um elemento do jogo já pensado? Que Brasil é esse?
Por
mais que tenham tido a falha geográfica da origem de seus personagens, que
fique claro que ali não são só jogadores, são personagens induzidos e criados a
todo instante pelos diretores, eles conseguiram levar o estereótipo e o
preconceito para o horário nobre da TV Brasileira como se isso fosse normal,
aceitável. Lembre-se que eles estão dizendo que é a cara do Brasil.
Quem
for assistir ao programa que for tem que assistir com um olhar muito bem atento
para conseguir notar cada detalhe do jogo manipulativo que está por trás de
cada história. Nada é por acaso, nenhuma ordem de notícia é escolhida ao acaso
e tem sim um motivo por trás. Em um mundo que somos bombardeados por
informação, saber filtrar é uma arte.
“O ideal seria
que todas as famílias convivessem com livros e contassem histórias para suas
crianças. O ideal seria, também, que todas as manifestações artísticas fossem
de fácil acesso à população e que essas manifestações fossem discutidas em
casa, objeto de debate familiar. Isto, infelizmente, não acontece com a
freqüência desejada. Alguns culpam a televisão e a cultura de massas por esta
lacuna. Na minha opinião, é uma crítica injusta. Tudo é passível de debate.
Novelas, gibis, letras de músicas de funk, enredos de escolas de samba,
notícias de jornal. Leitura não é uma coisa limitada, uma atividade puramente
intelectual.” (Roleplaying Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil, página
173).
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