Não adianta xingar, gritar, fazer gestos ofensivos com as mãos... não
sairemos das ruas!
Se fizesse uma lista com todos os
palavrões que ouvi, já teria montado um dicionário de expressões ouvidas e se
eu fosse gritar de volta, já iria ser preciso fazer os mesmos gestos ofensivos
como “retribuição”.
Não adiantar ficar encarando e esculhambando quando passar... não
sairemos das ruas!
Sabe aquele olhar de raiva ou
aquela palavra mal dita gratuitamente? Não vai adiantar, porque não sou
intimidado com cara feia, afinal me olho no espelho todos os dias.
Não adianta ameaçar ou ficar fingindo algo para amedrontar... não
sairemos das ruas!
Parar o carro do lado ou ficar
acelerando no sinal vermelho não será o suficiente. Muito menos se vier
acompanhado da frase “vou passar por cima”.
Não adianta falar que é você quem manda na rua ou mostrar... não
sairemos das ruas!
Você não é o dono da rua e nem
adianta tentar mostrar algo, porque estou bem consciente da minha posição em
cima desse asfalto.
Não adianta falar que seremos roubados durante o caminho... não
sairemos das ruas!
Posso ser roubado fazendo isso ou
não; posso ser roubado de outra forma, mas não quero deixar que as palavras
negativas me roubem a liberdade de sentir o vento no rosto enquanto o suor
escorre por todo esforço realizado.
Não adianta fazer “fina educativa”... não sairemos das ruas!
Estou educado o suficiente para
saber que o local da bicicleta é ao seu lado em uma avenida/rua e sei que a
distância lateral tem que ser 1,5m e mesmo que você insista em não respeitar
isso, não sairemos das ruas. Não sairemos, porque no momento que a pessoa que
pedala aceita esse tipo de atitude e para de pedalar permite que o veículo
maior, não só o “vença”, mas deslegitime a bicicleta como veículo de
transporte.
Pedalar contra todas essas
adversidades é buscar o reconhecimento de que a bicicleta é um veículo e
precisa coexistir com outros veículos no trânsito; é tentar mostrar que é
possível um fluxo harmônico entre as peças quem compõe essa rede muitas vezes
caótica; é acreditar que existem formas alternativas e eficientes de
deslocamentos nas cidades e legitimar a utilização da bicicleta como meio de
transporte. Fazemos parte do trânsito, compomos o trânsito e uma hora terão que
entender isso.
Não adianta nos atropelar... não sairemos das ruas!
Essa parte é um pouco mais
complicada, mas também não sairemos. Já tentaram me atropelar, já tentaram atropelar
pessoas conhecidas e desconhecidas. Já conseguiram, mas não deixamos de
pedalar. Por cada pessoa que morre no trânsito ao pedalar vítima da má
estrutura viária para a bicicleta, da imprudência de outros veículos ou
qualquer outro motivo, não podemos deixar de pedalar. Ao fazermos isso estaríamos
considerando cada falecimento em vão, enquanto continuar pedalando é carregar o
nome de cada pessoa que não desistiu.
Cada pessoa que faleceu pedalando
e sem desistir de acreditar nessa forma de locomoção é responsável pela mínima
estrutura que temos hoje. Foram seus esforços e sacrifícios que trouxeram um
pouco mais de segurança para cada um de nós, então é justo com essas pessoas
que abandonemos a bicicleta.
Sabendo que posso falecer
pedalando e que posso ter problemas ao reivindicar por mais estrutura para a
pessoa que pedala é que tenho de pedalar mais. Porque da mesma forma que as
pessoas que já passaram por essas ruas lutaram para eu termos o que temos hoje,
somos responsáveis pela estrutura que as pessoas do futuro vão ter. Na verdade,
as pessoas de um futuro tão próximo que pode se confundir com o presente ou,
quem sabe, até mesmo você chegará a aproveitar essa mudança. Por isso não
podemos sair das ruas e deixar lado a luta para legitimar a bicicleta como meio
de transporte.
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Vicente Veloso Neto, o Xuxa (Jornal O Povo) |