quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Complexidade e turbulência - Fritjof Capra

Capra
O processo de globalização econômica foi elaborada intencionalmente pelos grandes países capitalistas (o chamado “G-7”), as principais empresas multinacionais e as instituições financeiras globais – entre as quais destacam-se o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) – criadas expressamente para esse fim.

                Entretanto, o processo não tem sido um mar de rosas. Quando as redes financeiras globais alcançaram um certo grau de complexidade, suas interconexões não-lineares geraram anéis de realimentação rápida que deram origem a muitos fenômenos emergentes inesperados. A nova economia que resultou disso é tão complexa e turbulenta que não pode ser analisada pelas teorias econômicas convencionais. É por isso que Anthony Giddens, atual diretor da prestigiosa Faculdade de Economia de Londres, admite: “O novo capitalismo, que é uma das forças motrizes da globalização, é, até certo ponto, um mistério. Até agora, não sabemos exatamente como ele funciona.”
                No cassino global operado por máquinas eletrônicas, os fluxos financeiros não seguem uma lógica de mercado. Os mercados são continuamente manipulados e transformados por estratégias de investimento criadas em computador, pelas percepções subjetivas de analistas influentes, por acontecimentos políticos em qualquer parte do mundo e – o que é mais significativo – por turbulências inesperadas causadas pelas interações complexas dos fluxos de capital nesse sistema altamente não-linear.  Essas turbulências, que dificilmente podem ser controladas, são fatores tão importantes da fixação de preços e tendências de mercado quanto as tradicionais forças de oferta e procura.
                Só os mercados de moedas movimentam diariamente mais de dois trilhões de dólares; e como esses mercados determinam em grande medida o valor de qualquer moeda nacional, contribuem significativamente para a incapacidade dos governos de controlar a política econômica. Por causa disso assistimos recentemente a uma série de crises financeiras graves, no México (1994), no Sudeste Asiático (1997), na Rússia (1998) e no Brasil (1999).
                As economias grandes, dotadas de bancos fortes, geralmente são capazes de suportar a turbulência financeira, sofrendo somente danos limitados e temporários; mas a situação é muito menos confortável para os chamados “mercados emergentes” da metade sul do globo, cujas economias são pequenas em comparação com mercados internacionais. Em virtude do seu forte potencial de crescimento econômico, esses países tornam-se alvos preferenciais para os jogadores do cassino global, que fazem investimentos gigantescos nos mercados emergentes mas retiram esses investimentos com a mesma rapidez ao menor sinal de enfraquecimento da economia.
                Quando fazem isso, desestabilizam as economias pequenas, desencadeiam a fuga de capitais e criam uma crise de grandes proporções. Para recuperar a confiança dos investidores, o país afligido geralmente é induzido pelo FMI a aumentar as taxas de juros, ao preço devastador do aprofundamento da recessão local. As recentes quebras de mercados financeiros lançaram cerca de 40 por cento da população mundial numa recessão profunda!
                Depois da crise financeira asiática, os economistas puseram a culpa dessa crise em certos “fatores estruturais” dos países asiáticos, como, por exemplo, um sistema bancário fraco, a interferência excessiva do governo e a falta de transparência financeira. Entretanto, como salienta Paulo Volcker, ex-diretor do Conselho do Federal Reserve dos Estados Unidos, nenhum desses fatores era novo ou desconhecido, e nenhum deles piorou de súbito. “É óbvio”, concluiu Volcker, “que algo ficou faltando em nossas análises e em nossas reações... O problema não é regional, mas internacional; e temos todos os motivos para crer que seja sistêmico.”. Segundo Manuel Castells, as redes financeiras globais da nova economia são intrinsecamente instáveis. Produzem padrões aleatórios de turbulência informativa que podem desestabilizar qualquer empresa, bem como países ou regiões inteiras, independentemente do seu desempenho econômico real.
                É interessante aplicar a compreensão sistêmica da vida à análise desse fenômeno. A nova economia consiste numa meta-rede global de interações tecnológicas e humanas complexas, que envolve múltiplos anéis e elos de realimentação que operam longe do equilíbrio e produzem uma variedade infinita de fenômenos emergentes. A criatividade, a adaptabilidade e a capacidade cognitiva dessa meta-rede lembram, sem dúvida, as de uma rede viva mas a meta-rede não manifesta a estabilidade que é uma das propriedades fundamentais da vida. Os circuitos de informação da economia global funcionam numa tal rapidez e recorrem a uma tal multiplicidade de fontes que estão constantemente a reagir a um dilúvio de informações; por isso, o sistema como um todo acaba escapando ao nosso controle.

                Também os organismos vivos e ecossistemas podem chegar a um ponto em que tornam continuamente instáveis; mas, quando isso acontece, eles desaparecem em virtude da seleção natural, e só sobrevivem os sistemas dotados de processos de estabilização. No domínio humano, esses processos terão de ser introduzidos na economia global através da consciência humana, da cultura e da política. Em outras palavras, temos de projetar e implementar mecanismos reguladores para estabilizar a nova economia. Robert Kuttner, editor da revista progressista The American Prospect, resume a situação da seguinte maneira: “O que está em jogo é valioso demais para que o capital especulativo e as flutuações da moeda possam determinar o destino da verdadeira economia.”.


Trecho do livro As conexões ocultas - ciência pra uma vida sustentável, página 150.


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