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Capra |
O processo de globalização
econômica foi elaborada intencionalmente pelos grandes países capitalistas (o
chamado “G-7”), as principais empresas multinacionais e as instituições financeiras
globais – entre as quais destacam-se o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) – criadas expressamente
para esse fim.
Entretanto,
o processo não tem sido um mar de rosas. Quando as redes financeiras globais
alcançaram um certo grau de complexidade, suas interconexões não-lineares
geraram anéis de realimentação rápida que deram origem a muitos fenômenos
emergentes inesperados. A nova economia que resultou disso é tão complexa e
turbulenta que não pode ser analisada pelas teorias econômicas convencionais. É
por isso que Anthony Giddens, atual diretor da prestigiosa Faculdade de
Economia de Londres, admite: “O novo capitalismo, que é uma das forças motrizes
da globalização, é, até certo ponto, um mistério. Até agora, não sabemos
exatamente como ele funciona.”
No
cassino global operado por máquinas eletrônicas, os fluxos financeiros não
seguem uma lógica de mercado. Os mercados são continuamente manipulados e
transformados por estratégias de investimento criadas em computador, pelas
percepções subjetivas de analistas influentes, por acontecimentos políticos em
qualquer parte do mundo e – o que é mais significativo – por turbulências
inesperadas causadas pelas interações complexas dos fluxos de capital nesse
sistema altamente não-linear. Essas
turbulências, que dificilmente podem ser controladas, são fatores tão importantes
da fixação de preços e tendências de mercado quanto as tradicionais forças de
oferta e procura.
Só
os mercados de moedas movimentam diariamente mais de dois trilhões de dólares;
e como esses mercados determinam em grande medida o valor de qualquer moeda
nacional, contribuem significativamente para a incapacidade dos governos de
controlar a política econômica. Por causa disso assistimos recentemente a uma
série de crises financeiras graves, no México (1994), no Sudeste Asiático
(1997), na Rússia (1998) e no Brasil (1999).
As
economias grandes, dotadas de bancos fortes, geralmente são capazes de suportar
a turbulência financeira, sofrendo somente danos limitados e temporários; mas a
situação é muito menos confortável para os chamados “mercados emergentes” da
metade sul do globo, cujas economias são pequenas em comparação com mercados
internacionais. Em virtude do seu forte potencial de crescimento econômico,
esses países tornam-se alvos preferenciais para os jogadores do cassino global,
que fazem investimentos gigantescos nos mercados emergentes mas retiram esses
investimentos com a mesma rapidez ao menor sinal de enfraquecimento da
economia.
Quando
fazem isso, desestabilizam as economias pequenas, desencadeiam a fuga de
capitais e criam uma crise de grandes proporções. Para recuperar a confiança
dos investidores, o país afligido geralmente é induzido pelo FMI a aumentar as
taxas de juros, ao preço devastador do aprofundamento da recessão local. As
recentes quebras de mercados financeiros lançaram cerca de 40 por cento da
população mundial numa recessão profunda!
Depois
da crise financeira asiática, os economistas puseram a culpa dessa crise em
certos “fatores estruturais” dos países asiáticos, como, por exemplo, um
sistema bancário fraco, a interferência excessiva do governo e a falta de
transparência financeira. Entretanto, como salienta Paulo Volcker, ex-diretor
do Conselho do Federal Reserve dos
Estados Unidos, nenhum desses fatores era novo ou desconhecido, e nenhum deles
piorou de súbito. “É óbvio”, concluiu Volcker, “que algo ficou faltando em
nossas análises e em nossas reações... O problema não é regional, mas
internacional; e temos todos os motivos para crer que seja sistêmico.”. Segundo
Manuel Castells, as redes financeiras globais da nova economia são
intrinsecamente instáveis. Produzem padrões aleatórios de turbulência
informativa que podem desestabilizar qualquer empresa, bem como países ou regiões
inteiras, independentemente do seu desempenho econômico real.
É
interessante aplicar a compreensão sistêmica da vida à análise desse fenômeno.
A nova economia consiste numa meta-rede global de interações tecnológicas e
humanas complexas, que envolve múltiplos anéis e elos de realimentação que
operam longe do equilíbrio e produzem uma variedade infinita de fenômenos
emergentes. A criatividade, a adaptabilidade e a capacidade cognitiva dessa
meta-rede lembram, sem dúvida, as de uma rede viva mas a meta-rede não
manifesta a estabilidade que é uma das propriedades fundamentais da vida. Os
circuitos de informação da economia global funcionam numa tal rapidez e
recorrem a uma tal multiplicidade de fontes que estão constantemente a reagir a
um dilúvio de informações; por isso, o sistema como um todo acaba escapando ao
nosso controle.
Também
os organismos vivos e ecossistemas podem chegar a um ponto em que tornam
continuamente instáveis; mas, quando isso acontece, eles desaparecem em virtude
da seleção natural, e só sobrevivem os sistemas dotados de processos de
estabilização. No domínio humano, esses processos terão de ser introduzidos na
economia global através da consciência humana, da cultura e da política. Em outras
palavras, temos de projetar e implementar mecanismos reguladores para
estabilizar a nova economia. Robert Kuttner, editor da revista progressista The American Prospect, resume a situação
da seguinte maneira: “O que está em jogo é valioso demais para que o capital
especulativo e as flutuações da moeda possam determinar o destino da verdadeira
economia.”.
Trecho do livro As conexões ocultas - ciência pra uma vida sustentável, página 150.
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