MATÉRIA ORIGINAL
Por María Martín:
"A cena de mais um linchamento pinçou de novo estômagos e consciências em boa parte do Brasil. Nesta segunda-feira, Cleidenilson da Silva, de 29 anos, morreu de joelhos. Ele foi espancado até a morte por um grupo de moradores após um assalto frustrado a um bar no Jardim São Cristóvão, um bairro pobre de São Luís, no Maranhão. Um adolescente que ia com ele foi resgatado e preso pela polícia. Amarrado pelo pescoço e pelo abdômen com uma corda a um poste, o corpo desnudo de Cleidenilson foi exposto e fotografado frente a uma multidão curiosa, vizinhos dos que o mataram. Mãos e dedos impressos em sangue tingiram a cena, mas o episódio é mais um no Estado, mais um no Brasil. “Brasil tem um linchamento por dia, não é nada excepcional nesta rotina de violência, este caso não tem nada de diferente do resto, ao não ser essa imagem que choca”, explica o sociólogo José de Souza Martins, alguém que não se surpreende mais diante a brutalidade.
Por María Martín:
"A cena de mais um linchamento pinçou de novo estômagos e consciências em boa parte do Brasil. Nesta segunda-feira, Cleidenilson da Silva, de 29 anos, morreu de joelhos. Ele foi espancado até a morte por um grupo de moradores após um assalto frustrado a um bar no Jardim São Cristóvão, um bairro pobre de São Luís, no Maranhão. Um adolescente que ia com ele foi resgatado e preso pela polícia. Amarrado pelo pescoço e pelo abdômen com uma corda a um poste, o corpo desnudo de Cleidenilson foi exposto e fotografado frente a uma multidão curiosa, vizinhos dos que o mataram. Mãos e dedos impressos em sangue tingiram a cena, mas o episódio é mais um no Estado, mais um no Brasil. “Brasil tem um linchamento por dia, não é nada excepcional nesta rotina de violência, este caso não tem nada de diferente do resto, ao não ser essa imagem que choca”, explica o sociólogo José de Souza Martins, alguém que não se surpreende mais diante a brutalidade.
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Fonte |
Pergunta. O que você
pensou ao ver o novo linchamento acontecido no Maranhão?
Resposta. É mais um
linchamento. Brasil tem uma media de um linchamento por dia, não é nada
excepcional nesta rotina de violência, este caso não tem nada diferente do
resto ao não ser a imagem, que choca outras pessoas. A atenção publica é
atraída mais pelas imagens, que pelo fato de ter virado rotina.
P. Que
efeito causa a divulgação de casos de linchamentos?
R. Não existe
uma avaliação do efeito que produz assistir a essas imagens, mas é de se
presumir que o efeito é de reproduzir essa prática, porque o modelo se repete.
Trata-se do mesmo tipo de espetáculo, o poste... Muitos elementos são
reproduzidos, a divulgação acaba estimulando a repetição das ocorrências.
P. Que
significado tem, no cenário cruel de um linchamento, atar a vítima a um poste?
R. Não tem
nenhum. Os linchamentos se desenvolvem em formatos muito variados, amarrar à
vítima num portão ou num poste é porque esse elemento era parte do cenário onde
se motivou o linchamento. É algo causal, mas justamente é o poste que motiva o
interessa a audiência, mas a população não sabe o que é pelourinho.
P. O senhor
constatou que o preconceito racial não motiva os linchamentos no Brasil, mas
aumenta o índice de crueldade. Por que com os negros os linchamentos são mais
brutais? O que se vê de diferente no linchamentos de um negro?
R. O que eu
constatei é que a cor da pele não é a primeira motivação para linchar alguém.
Nos primeiros dez minutos o padrão se repete e não há nenhuma diferença.
Independentemente de a vítima ser branca ou negra, você vê pedradas, pauladas,
pontapés. A diferença se manifesta no decorrer do ato, de forma muito mais
sutil do modo como o racismo é concebido no Brasil. Ele se torna mais violento.
Se o linchado for negro, a probabilidade de aparecerem outros componentes mais
violentos como mutilação, furar olhos ou queimar viva a vítima, aumenta.
P. Há
precedentes de punição dos autores de linchamentos?
R. Há casos de
abertura de processo, de julgamento, mas é muito difícil identificar os
autores. No caso da mulher do Guarujá[linchada em maio de 2014 após um
bulo nas redes se espalhar], eram 1.000 pessoas. Identificaram meia dúzia e
abriram processo contra elas. Em geral, a polícia abre processos por violência
ou assassinato, tenta identificar pessoas, vai pegar dois ou três, vai abrir
processo, mas se forem a julgamento os advogados podem invocar o Código Penal
brasileiro e pedir a atenuação da pena por crime coletivo e, provavelmente, não
vai acontecer nada.
P. Brasil é o
país onde mais se lincha? O que fazer para reduzir estes episódios?
R. Os
linchamentos se repetem em muitos países, mas a frequência no Brasil é muito
maior. Nós temos uma media de um linchamento por dia. Tudo tende a se resolver
com o linchamento. Nos EUA, o país que mais linchou no mundo, foi a resposta da
sociedade civil que parou a prática. No Brasil o que está acontecendo é que as
pessoas acabam ligando a polícia. Em 90% dos casos de linchamento no país, a
polícia salvou a vítima.
P. Como explica
que a grande maioria dos comentários das notícias sobre linchamentos sejam
favoráveis à justiça popular aplicada com violência?
R. As redes
sociais não são representativas de nada. O que conta nos casos dos linchamento
é o fato de uma pessoa ligar para a polícia, não precisam ser dez pessoas, só
uma, e isso acontece em um número muito alto de ocasiões.
P. O que explica
que estes episódios continuem acontecendo no Brasil?
R. Pelo mesmo
motivo que se repetem no Moçambique, no México, na Argentina, na Guatemala... As instituições não funcionam. A
Justiça é morosa, é cara, é complicada, é lenta. Você não vai discutir a
legalidade do linchamento em um grupo que viu uma criança estuprada por um
adulto. Ninguém vai esperar um processo porque já está convencida de quem
cometeu o crime. A instituição judiciária no Brasil sempre foi um luxo para
quem pode pagar um advogado, para quem conhece as regras. Nós temos duas
sociedades, uma que segue as regras do estabelecido e outra que não as segue
porque não concorda com elas."
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