
O ENTRETENIMENTO E O SUPÉRFLUO
Já escrevi
algumas vezes sobre o incômodo que me causa quando gasto em cultura, lazer e
entretenimento é tratado como supérfluo, que só é admitido quando todos os
problemas possíveis e imagináveis são resolvidos. Nesse debate, às vezes fica
parecendo que investir em Carnaval é desperdiçar dinheiro público, como se
fosse maisena em mela-mela.
Claro que há
extremos. Município em completo colapso por causa da seca, que dispensa
licitações com base em decreto de emergência e no qual falta água para beber
realmente não tem de gastar dinheiro público com folia em meio à desgraça.
Prefeitura que está com pagamento de servidores atrasado também não há de ter
cara para contratar banda de música. Não se pode, todavia, chegar ao extremo de
querer cancelar o Carnaval no sertão inteiro porque é ano de seca.
O nível dos
reservatórios que abastecem São Paulo está abaixo de 17%, é o menor da história
e nem por isso alguém falou em cancelar o Carnaval. Em Olinda, durante muito
tempo foi comum faltar água nessa época, mas também ninguém teve a ideia de
mandar os turistas embora e cancelar o cortejo dos blocos. Hoje se monta
esquema especial para garantir o abastecimento. Em Recife (PE), o problema só
foi resolvido em dezembro de 2011, quando novo sistema foi concluído. Aliás,
como tal situação já se viu no Ceará em outros anos, é uma ideia que fica aos
agentes públicos: resolver o problema pode ser uma alternativa a cancelar o
Carnaval. Nem tanto pela festa, evidentemente, mas por necessidade da população
mesmo, no Carnaval e fora dele.
O CARNAVAL E O INTERIOR
Festa é bom, quem
não tem dinheiro para pagar por ela também tem direito de usufruir,
entretenimento é condição para qualidade de vida, mas há um problema pouco
perceptível que envolve o cancelamento dos carnavais no Interior. O Ceará é um
estado em que quase todo mundo que pode deixa seus municípios e se desloca para
a Capital. Um feriado e quatro a cinco dias, com festas em Fortaleza e no
litoral é um estímulo extra para esvaziar o Interior que já padece com a seca.
Sem falar que, para muita gente hoje longe de casa, é uma das poucas
oportunidades no ano de visitar a terra natal. Esse problema do esvaziamento do
Interior e o desafio de fixar a população no sertão é mais sério do que se
possa pensar e está no centro das explicações para muitas das mazelas no
Estado. Pode não parecer, mas cancelar os carnavais por aí afora mexe muito com
essas questões tão delicadas, do ponto de vista simbólico, afetivo e, também,
bastante prático.
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