Sozinho
em uma parada de ônibus a noite é, aparentemente, um local interessante para
conhecer um pouco mais de Edgar Morin e deixar os pensamentos fluírem, tentar
deixar aquilo que te incomoda passar enquanto não chega o ônibus possivelmente
lotado.
Contudo,
dessa vez, o ônibus estava vago: motorista, trocador, uma pessoa adulta e um
jovem por volta dos seus 14 anos. Parecia uma extensão da parada de ônibus, a
solidão perfeita para deixar que os pensamentos circulem livremente enquanto
tentava ler um livro no movimento do ônibus.
![]() |
Fonte |
Mas
só parecia. Quase 10 minutos depois que entrei no ônibus o jovem chega próximo
ao motorista fazendo o formato de uma arma de fogo com os dedos e fingindo que
atira pelos cantos, até finge que atira no motorista depois de colocar a “arma”
na cabeça de sua “vítima”.
O
jovem senta próximo ao motorista e o segundo pergunta:
— Aprendendo a ser perigoso?
— Aprendendo? Eu nasci assim,
nasci perigoso. — disse o jovem.
— Tu é tão perigoso assim?
E
o jovem segue o caminho falando do perigo que ele representa. Depois de
responder o motorista ele começa a falar que quer algum trabalho qualquer para
comprar uma moto e sair pilotando com toda velocidade, porque “é massa passar
pelos carros quase batendo” e abre um largo sorriso.
Durante
sua fala sobre uma mulher pela frente do ônibus, aparentemente doente, e senta
nas primeiras cadeiras. O jovem prontifica-se para levar sua passagem até o
trocador e quando volta nota que a toalhinha da mulher tinha caído no chão. Ele
pega e entrega para a mulher a toalhinha com o troco da passagem.
Toda
aquela situação já tinha feito eu parar de ler para observar todas aquelas
ações com maior curiosidade. A mulher parecia não está bem, então o motorista
para em um canto e o menino vai comprar uma garrafinha de água para a mulher.
O
ônibus segue nesse ritmo: o menino falando o que tem vontade de fazer e ao
mesmo tempo mostrando toda sua educação quando alguém ia descer do ônibus.
Quando
estou perto de descer, ele começa a dizer alguns locais que poderiam ter troca
de tiro, sobre sua troca de mercadorias no fim de semana e onde estaria naquele
dia. Sempre reforçando a ideia do perigo que ele representa.
Desço
do ônibus e digo um “obrigado, boa noite” bem aleatório e o jovem me deseja boa
noite. De fato, com tudo que observei, ele tinha nascido daquele jeito. Todo
dia, talvez, ele nascesse entre uma oscilação entre “certo e errado, bem e mal”,
mas com certeza ele não tinha nascido perigoso. O maior perigo que ele
representaria seria se ele nascesse para notar o todo ao seu redor e ficasse
revoltado com o sistema.
Sigo
andando enquanto o ônibus se afasta e meus pensamentos e problemas egoístas vão
retornando, mas uma coisa é certa: mesmo diante da minha impotência sinto-me
cúmplice do futuro dessa criança...
Nenhum comentário:
Postar um comentário