sábado, 23 de janeiro de 2016

Eu nasci assim

                Sozinho em uma parada de ônibus a noite é, aparentemente, um local interessante para conhecer um pouco mais de Edgar Morin e deixar os pensamentos fluírem, tentar deixar aquilo que te incomoda passar enquanto não chega o ônibus possivelmente lotado.

                Contudo, dessa vez, o ônibus estava vago: motorista, trocador, uma pessoa adulta e um jovem por volta dos seus 14 anos. Parecia uma extensão da parada de ônibus, a solidão perfeita para deixar que os pensamentos circulem livremente enquanto tentava ler um livro no movimento do ônibus.
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                Mas só parecia. Quase 10 minutos depois que entrei no ônibus o jovem chega próximo ao motorista fazendo o formato de uma arma de fogo com os dedos e fingindo que atira pelos cantos, até finge que atira no motorista depois de colocar a “arma” na cabeça de sua “vítima”.
                O jovem senta próximo ao motorista e o segundo pergunta:

— Aprendendo a ser perigoso?
— Aprendendo? Eu nasci assim, nasci perigoso. — disse o jovem.
— Tu é tão perigoso assim?

                E o jovem segue o caminho falando do perigo que ele representa. Depois de responder o motorista ele começa a falar que quer algum trabalho qualquer para comprar uma moto e sair pilotando com toda velocidade, porque “é massa passar pelos carros quase batendo” e abre um largo sorriso.
                Durante sua fala sobre uma mulher pela frente do ônibus, aparentemente doente, e senta nas primeiras cadeiras. O jovem prontifica-se para levar sua passagem até o trocador e quando volta nota que a toalhinha da mulher tinha caído no chão. Ele pega e entrega para a mulher a toalhinha com o troco da passagem.
                Toda aquela situação já tinha feito eu parar de ler para observar todas aquelas ações com maior curiosidade. A mulher parecia não está bem, então o motorista para em um canto e o menino vai comprar uma garrafinha de água para a mulher.
                O ônibus segue nesse ritmo: o menino falando o que tem vontade de fazer e ao mesmo tempo mostrando toda sua educação quando alguém ia descer do ônibus.
                Quando estou perto de descer, ele começa a dizer alguns locais que poderiam ter troca de tiro, sobre sua troca de mercadorias no fim de semana e onde estaria naquele dia. Sempre reforçando a ideia do perigo que ele representa.
                Desço do ônibus e digo um “obrigado, boa noite” bem aleatório e o jovem me deseja boa noite. De fato, com tudo que observei, ele tinha nascido daquele jeito. Todo dia, talvez, ele nascesse entre uma oscilação entre “certo e errado, bem e mal”, mas com certeza ele não tinha nascido perigoso. O maior perigo que ele representaria seria se ele nascesse para notar o todo ao seu redor e ficasse revoltado com o sistema.
                Sigo andando enquanto o ônibus se afasta e meus pensamentos e problemas egoístas vão retornando, mas uma coisa é certa: mesmo diante da minha impotência sinto-me cúmplice do futuro dessa criança...








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