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Não me sinto a
vontade para dizer se hierarquias são boas ou ruins em determinados ambientes,
porque não tenho leitura suficiente sobre o assunto, mas já tive a oportunidade
de ler algumas pessoas falando sobre hierarquia e nos últimos anos conseguir
ter uma vivência em algo que não existe uma hierarquia instituída, mas uma
outra forma de organização, mais horizontal, que também funciona. Contudo, algo
que tem me chamado a atenção é que mesmo na ausência institucional de
hierarquia e em esforços para evitar o surgimento da hierarquia, a sensação da
mesma pode existir e é sobre esse ponto que quero falar.
Acredito que
assuntos que envolvem poderes sempre é algo interessante, porque está
diretamente ligado com a forma como as pessoas vão interagir. Ora, se entre as
pessoas que tenho um vínculo de amizade noto que temos igualdade de poderes,
então me sinto mais a vontade para agir, contudo se por algum momento me sentir
inferiorizado, talvez eu não consiga agir tão tranquilamente e pode ser que nem
existam ações que me coloquem em um “patamar menor”, mas isso de alguma forma
esteja comigo.
Notemos que boa
parte das nossas relações, mais institucionais, existem pessoas em posições
superiores e inferiores: na escola com diretoria, coordenação, corpo docente,
corpo discente; na universidade com a reitoria, pró-reitorias, faculdades e
centros, departamentos, coordenações de Cursos, docentes e discentes; religiões
com suas lideranças sejam mundiais, nacionais, regionais ou locais; empresa com
a chefia, divisões, gerências. Note ainda que boa parte de nós temos contato
com isso desde cedo e crescemos no meio disso, ou seja, temos uma história de
vida guiada em meio a hierarquias, logo não é de se espantar que em nossas
estruturas esteja a hierarquia e com ela todo nosso histórico de vivências e
sensações.
(Daqui para
frente utilizarei conceitos apresentados na seção “Determinismo Estrutural e
Linguagem” apresentados no livro “Cognição, Ciência e Vida Cotidiana” que possui
textos do biólogo Humberto Maturana e foi publicado pela Editora UFMG)
Quando falo em
estrutura estou querendo dizer que nós temos uma estrutura que nos forma,
contudo isso não nos define, porque se nos definisse, a cada mudança estrutural
deixaríamos de ser quem somos e ao acontecer isso nem nós mesmos seríamos
capazes de nos reconhecer a cada mudança, mas isso não acontece, porque existe
algo “maior” que permite que possamos nos identificar, ou seja, algo que não
muda mesmo quando nossa estrutura muda. Sendo mudança estrutural desde o nosso
visual até aprender alguma coisa.
Agora o que isso
tem a ver com o assunto abordado inicialmente? Tem tudo a ver, porque se existe
algo que precisa se conservar enquanto estou mudando, logo alguma coisa precisa
definir o que pode ou não mudar minha estrutura para que assim se mantenha uma
conservação que defina quem sou. Algo
que cada ser vivo carrega consigo e pode explicar o ponto que cada entidade
está hoje é sua história de vida, ou seja, nossas estruturas mudam de acordo
com o que já vivemos e buscando conservar quem somos. Em outras palavras, somos
capazes de nos autoproduzir, autorregular e manter interações que nos
modifiquem apenas se nossa estrutura permitir, isso é chamado pelos biólogos
Humberto Maturana e Francisco Varela de autopoieses.
Mas o que isso tem a ver de fato com o assunto?!!! Nossa história de vida está
repleta de hierarquias.
Ora, se nossa
própria história de vida está repleta de hierarquia e essa história nos ajuda a
definir nossas mudanças estruturais de modo que uma determinada parte de nós
mesmos seja conservada, então é de se esperar que aceitemos mais facilmente uma
organização hierárquica, porque ela já está em nossa estrutura com nossa história
de vida, contudo o que acontece se retirarmos de nossas interações essa
organização? Tentaremos mantê-la enquanto nosso organismo não aceitar ou
entender que essa mudança não nos será destrutiva.
Isso é tão forte
que podemos até saber disso, ter consciência, mas não quer dizer que iremos
conseguir internalizar tão facilmente, porque precisamos quebrar com toda uma
história de vida que nos empurra para um lado. Comentei no início que tive a
oportunidade de nos últimos anos ter uma vivência sem hierarquia instituída,
mas lembro claramente que nos dois primeiros anos (ou até a metade do segundo ano)
eu sentia uma hierarquia. Não por existir hierarquia, mas porque eu estava há
pouco tempo tendo essa vivência em relação a toda uma vida experimentando o
contrário daquilo, então quando meu organismo começou a entender interações e
ideias que estavam do outro lado, como um todo, foi quando a hierarquia começou
a se desfazer em mim.
Olha o curioso, não
estava institucionalizado, mas a forma como eu estava interagindo estava
criando essa organização. A interação que garantia isso poderia surgir das mais
diversas formas, desde eu me sentir inferiorizado, até um conflito mal
resolvido que acabou virando confronto, a não exposição direta e sincera de
ideias, sentimentos e por aí vai. Algo que já notei também nessa vivência é quando um grupo quer tomar
ações, a todo custo, que interferem no agir de outro, então esse grupo, de
alguma forma, tenta desestabilizar alguém que represente um segundo grupo e
esteja mais próximo ao primeiro por acreditar que essa pessoa representa uma
barreira e esteja acima, ou seja, aparece um assédio moral ascendente, mas isso
só existe, porque o primeiro grupo vê o segundo como superior, enquanto talvez
não haja essa superioridade.
E foi quando essa modificação estrutural aconteceu
que tudo mudou, porque foi possível que eu entendesse que nenhum grupo que
estava interagindo com o meu era superior ou inferior, mas estávamos em níveis
diferentes por termos responsabilidades diferentes. Isso se aplica até no grupo
que estava compondo a coordenação, não era superior ao que eu estava, apenas com
responsabilidades diferentes e sabe qual foi o resultado disso? As relações
melhoraram, porque todos tinham “poderes” iguais, mas cada um no seu nível e
respaldados por um acordo comum. Em outras palavras, o grupo que eu fazia parte
possuía autonomia de ações dentro do próprio grupo, mas também a
responsabilidade das consequências, por isso não possuíamos autonomia total,
porque os outros grupos também possuem suas autonomias. As ações que interferiam
nas ações de outros grupos precisavam de decisões tomadas pelos grupos envolvidos,
mas sem ferir o acordo comum a todos.
Entretanto,
quando ainda sim queremos tomar ações que estão para além do nosso grupo, acabamos
por desconsiderar outros grupos e isso é, de certa forma, a negação do outro.
Ao fazermos isso não estamos utilizando de autonomia, mas sim de soberania,
logo criamos uma hierarquia por meio de ações momentâneas, mesmo que ela não
esteja institucionalizada. Entendamos que autonomia não é fazermos tudo que
queremos, mas aquilo que nos é possível diante de certas condições e isso, não
necessariamente é uma hierarquia. Assim, em nossas relações podem sim existir
hierarquias definidas ou elas estarem na forma como estamos interagindo.
Lucas Gonçalves Monte
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