Certa vez estava conversando com
uma amiga sobre criminalidade quando um senhor escuta a conversa e diz “bandido
bom é bandido morto e enterrado em pé para não ocupar espaço”. Diante daquela
frase tento explicar porque sou contra pena de morte e esse tipo de visão. Como
sempre nessas conversas surge a defesa por uma moral, tento mostrar que não
temos essa moral suficiente para decidir quem vive ou morre, é bem simples:
Eu: mas, meu caro, se matar fosse a solução para nossos problemas
teríamos que fazer uma chacina, porque quem é bandido é quem comete um crime e
degradar meio ambiente, desrespeitar o outro, corrupção são crimes. Sem falar
que só do senhor ter furado essa fila já cometeu um crime.
Ele: eu mesmo não! Só por que furei uma fila? Me respeite, moleque,
porque eu passo dia todo trabalhando, o que furar fila tem haver?
Eu: oxe, mas quando o senhor fura uma fila está cometendo um crime,
talvez até em menor escala, mas ainda é um crime e quem comete crime não é
bandido? Então o senhor não deveria começar se matando? (ok, posso ter
exagerado aqui)
Ele: furar fila uma vez perdida não me faz bandido. Você está
dizendo que sou o igual a alguém que mata? Por favor, vá estudar.
Eu: então deixa eu tentar explicar: quando defendemos pena de morte
estamos dizendo que de alguma forma somos capazes de dizer que alguém pode
viver ou morrer, é como se a cada erro
que aquela pessoa cometesse ela fosse perdendo sua condição humana, até
que chega um ponto que ela não pode mais ficar viva, então damos a pena de
morte. Só que somos tão falhos quanto essa pessoa. Furar fila, desrespeitar a
opção sexual de alguém, a cor, a ideia, a religião, sonegar impostos, não
devolver o dinheiro quando recebemos errado são atos errados assim como quem
rouba ou mata, talvez em níveis diferentes e de forma diluída, mas estamos
errados da mesma forma, se fossemos contabilizar todos os nossos erros ao longo
de nossa vida e fossemos rigorosos com os momentos que infringimos de alguma
forma a lei, talvez merecêssemos pena de morte.
Ele: você só pode está brincando comigo. “Me diga com quem tu andas
e direis quem és”, minha mãe sempre me disse, então não venha me comparar com
qualquer maconheirosinho que tem por aí. Aliás, tive muito amigo que usou por
muito tempo drogas e fiz foi me afastar, não queria me envolver. Éramos amigos,
mas ele lá e eu cá, não queria me misturar com coisa errada, com drogas. Aposto
que virou bandido como muitos por aí. Como eu disse, sou honesto e tenho minhas
mãos limpas.
Eu: até consigo compreender o que o senhor diz, consigo entender
sua visão. É chamada de visão reducionista e foi proposta, também, por René
Descartes e até concordo que nos ajudou a progredir bastante, porém hoje já se
é aceito que a visão reducionista não é capaz de resolver nossos atuais questionamentos
e por isso limitada.
Daí surge a visão
não-reducionista, ou sistêmica. Quando você diz que não possui responsabilidade
está usando justamente a visão reducionista e se vendo isolado diante da
sociedade, porém só seria possível se suas interações não interagissem com o
resto da sociedade ou se de alguma forma ela não se propagasse, o que sabemos
que não é verdade, pois sua fala já fez com que eu interagisse também e nossa
troca de interações vai se propagar e essa propagação acaba caindo em uma rede
de propagações.
Em resumo, não estamos isolados e
nossas ações são propagadas. Quando você vê uma pessoa se acabando de alguma
forma e escolhe não fazer nenhuma intervenção, por mais que seja um "amigo”,
você está aceitando e permitindo que aquela pessoa se acabe daquela forma,
então sim você tem responsabilidade. Talvez só não notamos esse peso, porque
nossa relação com aquela pessoa é um pouco distante, lembrando da rede, mas se
fosse um familiar bem próximo, talvez a história fosse diferente.
Essa visão pode ser levada para
diversos outros setores e existem grandes nomes defensores dessa ideia: Capra,
Maturana, Lovelock, Aldo Leopoldo, Lynn Margulis, Jane Goodall, além de
diversos outros que em suas áreas foram capazes de ver esse padrão em rede.
Quando apoiamos a pena de morte
estamos argumento que de alguma forma somos capazes de dizer que aquela pessoa
tem que morrer e para isso teríamos que estar em um patamar de superioridade,
só que a natureza não funciona assim, funciona em rede. Aí pode dizer: mas e o
maior predador que pega o menor? Vendo esse ponto isolado é isso, mas se
olharmos todo ciclo veremos que nele existe é uma relação de rede e não de
superioridade.
Mencionei a natureza, porque nós
também fazemos parte dela e a nossa sociedade também. Como eu tinha dito anteriormente nós não temos moral alguma para dizer quem pode viver ou morrer,
porque nós somos tão falhos quanto quem mata.
A dúvida pode surgir porque não
tocamos em uma arma, mas lembre-se que quando você permite até que uma pessoa
se acabe nas drogas, você tem sim a morte daquela pessoa nas costas.
E daí pode não ser só drogas...
quando você desmata, quando desperdiça água, quando simplesmente aceita algum
tipo de agressão, todas as fatalidades em decorrência disso tem um dedinho
nosso.
Se a pena de morte é a melhor
medida para se evitar o crime e criminoso é quem infringe a lei, comecemos as
mortes por nós mesmos, porque somos tão infratores como qualquer outra pessoa,
em níveis diferentes e até de forma mais diluída, mas no fim somos iguais como
pessoas e diferentes em nossas particularidades.
Ele entrou no ônibus
esbravejando, minha amiga deu uma risada. Olhei para ela e disse: acho que
assim vou ganhar inimigos kkkkkk
P.S.: a história é em partes real, mas com uma "boa" ficção
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