sexta-feira, 3 de abril de 2015

E você vem me falar de quinta-feira santa?

                Dia 02/04/2015... uma quinta-feira da semana santa. O dia que Jesus Cristo realizou a última ceia, lavou os pés dos seus discípulos e depois foi entregue por Judas. Na noite do mesmo dia, Jesus foi preso e interrogado, para no outro dia ser surrado por soldados, humilhado e por fim, crucificado.
                Para quem se considera cristão, principalmente na Igreja Católica, é um dia para refletir e, ouso dizer, um dia onde todos estão no mesmo patamar chegando até a lavar os pés uns dos outros; notem a importância desse gesto. Gesto lindo? Sim, mas do que adianta tudo isso?
                No mesmo dia que Jesus iria mostrar um dos gestos mais humildes da semana santa, eu estava esperando o ônibus por volta das 18h. O ônibus não demora. Subo, pago ao trocador, passo a catraca, sento na cadeira e lá fico observando tudo ao meu redor pela janela e os rostos dentro do ônibus.
                Quando o veículo chega à metade de sua rota o motorista diz algo para o trocador que não entende e pede para ele repetir:

Motorista: Pegaram um assaltante ali no ônibus da frente, bora lá!
Trocador: Vamos, vamos!!!

                Param o ônibus e vejo a cena pela janela. O outro ônibus está transversal em relação ao que eu estava. O assaltante é rendido rapidamente por alguém dentro do ônibus e um policial que estava lá perto entra no veículo e termina de render o assaltante. Já no chão, rendido, o policial se levanta e afasta-se do assaltante para que ele seja espancado por motoristas, trocadores e transeuntes que sobem no veículo apenas para bater em um ser humano já rendido.

                Não acredito no que meus olhos estão vendo! Pessoas começam a sorrir de prazer em chutar, dar murro e pisar no assaltante, enquanto, de longe, escuto os gritos de dor dele. Ver aqueles sorrisos e escutar a agonia da dor de quem está apanhando covardemente vai gerando um tremor na minha mão e uma sensação que não consigo explicar bem.
                Escuto e escuto o grito de dor que vem rasgando o ar até chegar aos meus ouvidos e meus olhos tendo que ver pessoa por pessoa subir no ônibus para espancar um SER HUMANO! Na hora eu não tenho reação, simplesmente sou paralisado por aqueles gritos...
... quando o som para, reina o silêncio em minha cabeça. Um silêncio perturbador. Alguém fora do ônibus disse que o outro fugiu e um outro alguém diz “pois vamos pega-lo!” e saem correndo com um sorriso de que está caçando alguma coisa e tendo prazer. Travado, só consigo abaixar minha cabeça...
                De cabeça baixa escuto alguém falar dentro do ônibus: é assim mesmo, eles fazem isso e tem o que merecem... (não consigo escutar o resto e simplesmente corto a pessoa e perco a cabeça dentro do ônibus)

Eu grito: então vocês acham isso correto!? Espancar uma pessoa covardemente mesmo quando já está caído e rendido? Vocês defendem esse tipo de atitude? Acham bonito ver outro apanhando?

Alguém tenta falar: se pelo menos eles... (corto novamente, estou sem cabeça para ouvir).

Continuo: não importa o erro que cada um comete, ninguém merece esse tipo de humilhação. Ser espancado? Isso é injusto!!! E aí depois vocês vêm falar de semana santa? O Jesus de vocês amanhã apanha e vai ser acusado de ladrão, humilhado e vai apanhar covardemente assim como essa cena. Como conseguem escutar esses gritos e ainda concordar!?
                Quando paro de falar noto que o motorista e o trocador já estão no ônibus comemorando o que fizeram enquanto alguns estão olhando para mim com olhos arregalados. Alguns até concordam, mas a maioria fica sem reação, ou melhor, não consigo notar o efeito das palavras. Só sei que em menos de um minuto todos que estavam ao meu redor saem de perto de mim e o ônibus segue, enquanto o outro leva o corpo espancado, que não sei se ainda está vivo.
Créditos: Caio Erick
                Uma cena que fez tremer todos os pontos de humanidade que existem dentro de mim. Tudo isso para depois chegar em casa e ter que ver alguém dizer no Facebook que “bandido bom é bandido morto” ou apoiando a redução da maioridade penal. Ou para piorar, apoiando o armamento e fechando os ouvidos para não debater a desmilitarização da policia.
                Já expliquei aqui o porquê ser contra a pena de morte e não é muito difícil ser contra a maioridade penal, porque se você tiver um pingo de visão sistêmica já saberá que a redução de nada irá resolver e a chance de vermos mais cenas como a relatada aqui será grande. Na verdade, nem é preciso reduzir a maioridade penal para vermos isso, porque todo o sistema por trás já leva muita gente para apanhar e ser condenado de forma informal... e você ainda vem me falar em pena de morte?
                E se tiver se perguntando se me arrependi do que falei, já respondo logo, me arrependo de não ter feito nada, porque aqueles gritos de dor ainda ecoam na minha cabeça.

“A bola da vez, enterro, velório
Perda total, por todos os lados
Do banco do ônibus ao carro importado
Teu filho morreu? meu filho também
Morreu assaltando, morreu assaltado
Tristeza, saudade, por todos os lados
Tortura covarde, humilha e destrói “
(Palavras Repetidas – Gabriel, o pensador)


Só para constar: sim, a história é real!





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