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Eudes Quintino (Imagem: Município de Mirandópolis) |
Desde os primórdios, o homem se
destacou em se expressar por meio de desenhos e escritos, nos rochedos e
paredes das cavernas onde habitava. Muitos sítios arqueológicos preservados
apontam que, desde a época da Pedra Lascada, os artistas pintavam animais,
preferencialmente cavalos, mamutes, bisões e seres humanos, com destaque para
as mulheres. Utilizavam-se de ferramentas feitas de ossos, pedra e marfim, que
serviam tanto para os desenhos, como para a caça e a luta entre grupos
inimigos.
Talvez resida aí uma das
explicações da origem da pichação e da grafitagem, técnicas que realizam uma
intervenção urbana visando expor a arte de rua (street art). A legislação
brasileira que trata da aplicação de sanções penais e administrativas em
decorrência de atividades lesivas ao meio ambiente (artigo 65 da Lei nº 9.605/
1998), pune aquele que “pichar, grafitar ou, por outro meio, conspurcar
edificação ou monumento urbano”. A pena é de três meses a um ano e aumenta de
seis meses a um ano se o ato for praticado contra monumento ou coisa tombada em
virtude de seu valor artístico, arqueológico ou histórico.
Tanto a pichação como o graffiti
foram lançados na vala comum e considerados condutas penalmente reprováveis,
pelo dano que causam ao ambiente, em razão da poluição visual. Ocorre que,
lentamente, a própria avaliação estética proporcionou uma separação e uma nova
definição para as duas modalidades. A pichação despe-se de qualquer referência
artística e, inerente à sua vocação clandestina, invade as ruas com palavras
hostis e símbolos agressivos de uma cultura de transgressão. A grafitagem, por
sua vez, estruturada por grupos comprometidos com a arte, busca o espaço urbano
para trabalhar com sua tinta spray e criar paisagens, gravuras e painéis
harmônicos, extremamente coloridos. É muito frequente o pedestre parar e
admirar a arte exposta na rua, sem falar do interesse interpretativo dos
críticos especializados na modalidade, que já conseguiram entronizar a street
art nos grandes museus.
Daí que o legislador, sem muita
dificuldade e em boa hora, interpretou a vontade popular e retirou a grafitagem
do limbo, introduzindo-a no rol de condutas lícitas, decretando, em
consequência, sua descriminalização pela Lei nº 12.408, de maio de 2011. De
forma expressa, determina o permissivo legal: “Não constitui crime a prática de
grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado
mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e,
quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem
público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas
municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela
preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional”.
A arte popular, desta forma,
recebe licença para fazer seu vernissage nas ruas, exibir o conteúdo de suas
belas-artes e demonstrar que a estética está diretamente relacionada com a
filosofia do belo. Aquilo que é prazeroso para os olhos e que tem aptidão para
encantar as pessoas, transportando-as para um ambiente harmônico onde poderá
fazer livremente suas incursões no imaginário oferecido, não merece ser
reprimido penalmente. Arte não combina com proibição.
No lugar de um muro branco,
envelhecido pelo tempo, sem qualquer atrativo, imagine-se diante de um trabalho
de grafite retratando uma cena do amanhecer do pantanal mato-grossense, com
seus pássaros coloridos e seu céu de um azul inconfundível. Eleva o espírito e
o transporta para o estado de graça. Bem melhor do que a pichação,
principalmente quando se aproxima a época de propaganda eleitoral.
Eudes Quintino de Oliveira Junior
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