domingo, 6 de setembro de 2015

Abortando ideias

Estava andando por aí, meio perdido no tempo, quando avistei uma pessoa conhecida que não via há um certo tempo. Já até tinha esquecido que aquela pessoa tinha sido bem próxima um dia, então resolvi conversar um pouco para saber como andava a vida, como estavam as ideias e o que a pessoa tinha a dizer.

Aproximo-me e sou reconhecido de imediato. Esta pessoa estava um pouco estressada com algo que tinha lido em algum caderno político, então questionei:

­— O que aconteceu?
— Estava lendo aqui uma declaração que o Renato Roseno fez. — diz a pessoa.
— E o que ele falou de tão grave? — pergunto novamente.
— Ele é a favor do aborto! Um absurdo isso. Até admirava o que ele falava, mas falou uma merda agora.

Acabo assustando ao ouvir a pessoa dizer isso, então questiono:

— Mas onde está o problema?
— Como assim liberar o aborto é a medida mais correta? — responde-me perguntando.
— É uma situação complicada. Tente ver o problema por outros lados, ou melhor, de uma perspectiva mais ampla. — começo minha fala — Note que a questão do aborto está relacionada, também, com estrutura familiar onde muitas vezes a mulher não tem condições de criar a criança e diante de todo um conjunto de problemas resolve escolher essa alternativa.
— Não quer criar a criança, simples, entregue para a adoção... — fala com certa rispidez.
— Simples? Estamos falando de uma futura pessoa, de uma vida, nem sempre é tão simples. A adoção nem sempre é tão rápida. Se ela for adotada logo, tudo bem, mas se não for? Se cair em um abrigo que não têm tantas condições? Isso se for para um abrigo, porque essa criança pode ficar exposta a um conjunto de fatores que a “empurrem” para um destino não tão legal. Mas supondo que ela chegue em um abrigo, só que não seja adotada rapidamente. Você acha que as pessoas querem adotar crianças já crescidas? Geralmente procuram as mais novas e a coitada da criança, mesmo estando em um abrigo, crescerá solitária. Isso até poderia melhorar se não houvesse tanto preconceito com adoção feita por casais homossexuais.
— Então podemos simplesmente matar uma vida, porque a pessoa não tá mais afim de ter ela?
— Não é a questão de querer ter ou não. A pessoa só está diante de uma situação onde está sendo pressionada por todos os lados e não consegue achar outra saída e as vezes, dado o contexto, não há outra saída. Não é uma decisão fácil e o que você está propondo pode matar a criança jogando-a a sorte em algum contexto, que pode ser bem cruel.
— Eu ainda acredito que medidas públicas podem resolver o problema sem ter que liberar o aborto, como dar mais atenção as gestantes e fazer fiscalizações em lares de adoção...
— Acho que liberar não é a palavra certa, mas também acredito nas medidas públicas, porém feitas de outra forma. As pessoas que propõem a legalização do aborto também colocam no projeto todo um sistema de apoio psicológico a gestante para que ela consiga racionalizar a situação e ver se aquilo é o que realmente quer.
— Nós precisamos de medidas públicas voltadas para esse lado e que sejam urgentes, isso é necessário. — começa falando a pessoa — Agora veja por outro lado, as pessoas vão começar a praticar sexo sem segurança sabendo que se engravidar vão poder abortar...isso vai acabar gerando um grande número de pessoas com DSTs, aí teriam que pensar em como solucionar esse problema...nosso sistema de saúde é precário, teríamos capacidade para resolver esse grande número de casos de DSTs?
— Você precisa olhar esse assunto como um todo. Como já disse nos projetos procuram dar assistência psicológica antes de tomar a decisão, porque ninguém quer transformar o aborto em medida contraceptiva, até porque a gravidez já teria ocorrido. Também sabemos que em países que legalizariam o aborto, dando o acompanhamento necessário, a prática até caiu. Entenda, o aborto já acontece em nossa sociedade. A diferença é que muitas mulheres fazem isso em clínicas clandestinas colocando suas vidas em risco sem nenhuma segurança física ou psicológica e as que conseguem sobreviver são descriminadas quando chegam nos hospitais, pois temos uma cultura que criminaliza a mulher por quase tudo que ela faz. Sobre a ineficiência do nosso sistema de saúde: parte dele vem da falta de investimento e a outra parte vem da forma como as políticas de saúde são abordadas, ou melhor, as políticas públicas, pois a maioria é vista de forma isolada, porque não me venha dizer que tratar DST é algo somente de saúde, é educação, é tirar o tabu sobre o sexo, é conversar e explicar desde cedo como o mundo funciona.

E assim nossa conversa não durou muito depois da minha última fala. Nos despedimos e seguimos cada um para um lado. Ele pegou uma rua a esquerda e eu segui em frente. Sei que não o convenci de nada, mas que fui capaz de cutucar sua mente para pensar diferente sobre o assunto e daí construir um novo raciocínio.

E como tenho tanta certeza disso? Simples (agora sim o simples)... a pessoa em questão sou eu de três anos atrás que um dia falou tudo aquilo, mas um amigo cutucou-me em uma conversa e daí consegui começar a olhar a situação como um todo. Aqui só me dei a oportunidade de conversar comigo mesmo e mostrar para meu passado que tudo faz parte de um processo de constante mudança.

Não existe assunto que não se deva conversar, o problema mora em não debatermos os assuntos considerados polêmicos. Fazer isso, nesse caso, é aceitar que mulheres sejam consideradas pecadoras (seguindo uma vertente religiosa) ou criminosas por escolherem o aborto e, pior ainda, aceitar que muitas procurem clinicas clandestinas e coloquem sua saúde física e psicológica em risco. Em resumo, é aceitar um sistema que tenta esmagar a mulher.








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