“FORTALEZA — Era noite do último
domingo quando eu vi pela primeira vez o menino Neymar (chamemos ele assim
porque é esse o nome de seu jogador de futebol predileto). De férias na escola,
o garoto, de 8 anos, tem passado boa parte de seus dias durante a Copa do Mundo
vendendo balas com a mãe — ainda jovem, mas que parece ter mais do que os 24
anos que tem —, e com a irmã, de 11 anos. A calçada onde costumam estar fica em
frente a um hotel na Avenida Beira Mar, a mais famosa da orla de Fortaleza,
onde já se hospedaram seleções como o México e Costa do Marfim. É a realidade
da cidade passando bem perto de turistas, jogadores, mas que parece ser
invisível a olhos desatentos.
De frente para o hotel das
seleções, funciona uma lanchonete movimentada, de uma famosa rede. Neymar se
aproxima e entra com sua caixinha de balas. O segurança o levanta pelo pescoço,
quase como se o tivesse estrangulando. E diz:
— Já é a terceira vez que você
entra aqui e eu falei que não é mais para entrar!
A cena do brutamontes levantando
a criança pelo pescoço me chama a atenção. Neymar não chora, mas fica com os
olhos vermelhos, cheios de lágrimas, e, como um menino de 8 anos que é, corre
para a mãe. Revoltada, ela mostra a marca no pescoço do garoto, primeiro para o
próprio segurança, depois para três policiais militares parados, na escolta de
um ônibus de uma delegação. Um deles diz:
— Dê parte na delegacia.
Já são quase 22h e, depois do
episódio, a mãe vai com as duas crianças para o ponto de ônibus. Eu me aproximo,
digo que sou repórter, inicio uma conversa. Em questão de segundos, a mãe
começa a chorar:
— Dói muito quando alguém bate
num filho meu. Eu não tolero que encostem a mão num filho meu.
Os três entram no ônibus, mas
digo que voltarei ali naquele local de novo para tentar revê-los. De dentro do
ônibus, Neymar me dá tchau com um aceno e com um largo sorriso. Desta vez, sou
eu que choro.
Na segunda-feira, dia de vitória
do Brasil com dois gols do Neymar da Seleção, volto para o mesmo local, mais ou
menos na mesma hora. Ando, ando, mas não os encontro. Na terça então, eis que
numa ronda despreocupada pela Beira Mar, avisto a menina de 11 anos. Grito para
ela. E ela avisa para a mãe, que desta vez está com outra menina no colo.
— Essa tem 11 meses. Hoje não
tive como pagar os 10 reais que pago onde eu moro para ficarem com ela. Então,
está aqui comigo.
Mas e o menino Neymar, onde
está? São alguns minutos gritando por ele, sem sucesso, até que a irmã o acha e
ele aparece. Ganho um aperto de mão e uma cara feliz. E como você está, menino?
— Ah, ontem eu fiquei doente,
mas hoje estou bem já.
Ao reencontrar aquela família,
as perguntas que ficaram na minha cabeça poderiam ser milhões. Mas na hora a
primeira que me veio foi para o menino. E uma pergunta óbvia:
— Ei, mas me fala, cara, o que
você quer ser quando crescer?
Ele me responde de forma genial:
— Moço, quando eu crescer, eu
quero ser turista. É, turista. Gringo. Quem é turista vive muito bem, não vive?
E sabe falar inglês também, não sabe?
Se, no dia em que nos
conhecemos, ele tinha me feito chorar, ali me fez rir. Apesar de estar na
escola (peço a ele que me diga o nome para que eu tenha certeza), Neymar admite
que sabe ler, assim mais ou menos, diz ele gesticulando com as mãos. Ele queria
saber falar inglês, porque assim conseguiria vender melhor.
— Os gringos só dizem para mim
"no entendo". Não vendo nada para eles quase — diz o menino que exibe
num dos pulsos uma pulseira laranja que ganhou de um holandês: — É da Colômbia
— completa ele, com toda a sua ingenuidade.
A mãe do menino tem uma história
que parece se repetir não só por Fortaleza, mas por todo o país. Cria só com a
ajuda da mãe as três crianças. Conta que já morou na rua por dois anos, mas
teve que sair "porque estava muito perigoso". Agora, aluga um cômodo
numa periferia da cidade por 250 reais por mês, mas já admite que não poderá
ficar por mais tempo.
— Cortaram a luz porque não tive
como pagar mais de dois meses. Acho que a minha saída vai ser um abrigo da
prefeitura, mas é ruim porque fica longe da escola das crianças — diz ela.
Faço outra pergunta óbvia, mas
que é a que pode povoar a cabeça do leitor: você traz as suas crianças para
orla e seu filho vende balas. Você não está explorando ele?
— Eu sei que as pessoas podem
pensar assim. Podem pensar que eu sou uma vagabunda, como já me disseram um
dia. Mas é muito difícil arrumar um emprego. Meu filho não se importa de vender
não, ele diz que eu sou uma guerreira e que um dia vai comprar uma casa para
mim. Mas minha filha não vende não. Tem vergonha. Ainda mais quando amiguinhos
dela da escola me veem na rua vendendo balas. Ela tem vergonha de mim — diz a
mãe, já com os olhos marejados.
Já são quase 22h de novo e está
na hora de eles tomarem os dois ônibus para voltarem para casa. Ao ouvir a mãe
falar sobre vergonha dela, a menina balança a cabeça negativamente, mas não
fala nada. O menino não titubeia.
— Vergonha nada. A gente vai
morar um dia ali, naquele lugar lá no alto! Bem bonito!
A frase ele diz olhando para o
hotel onde minutos atrás a seleção da Costa do Marfim, mesmo eliminada, havia
sido bastante assediada por turistas e moradores locais, enquanto chegava após
o jogo perdido para a Grécia, na Arena Castelão. Vou embora no próximo dia 6 de
julho de Fortaleza. Tentarei reencontrar com aquele menino que, em tão pouco
tempo, vi sorrir e vi chorar, que me fez sorrir, e me fez chorar. Por enquanto,
sua última frase pra mim foi:
— Vou ser turista! — garantiu
ele, ainda olhando para o alto do prédio do hotel.”
Ruben Berta
Fonte: http://glo.bo/Tv5l2K
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