quinta-feira, 17 de maio de 2018

Vamos falar de Uber?

Fonte: Tribuna do Ceará

A Câmara dos Vereadores de Fortaleza aprovou ontem (15/05) a lei que regulamento a utilização de aplicativos de transporte como, por exemplo, o Uber e nas postagens dos principais jornais da cidade o que mais eu lia eram pessoas revoltadas com a aprovação, no meio de tudo isso percebi o “mar” de desinformação e conhecimento sobre o assunto, por isso resolvi escrever.



Talvez parte da revolta das pessoas seja porque o Uber, em nota, disse que 10 mil motoristas não conseguiriam atender as regras, que o valor do serviço poderia subir até 80% e por aí vai. Para começar, bora baixar essa bola, Uber, pode guardar o sensacionalismo no bolso e lembrar que quando esse tipo de regulamentação foi incluída na Política Nacional de Mobilidade Urbana, em 1 de março de 2018, a empresa comemorou a aprovação e lá estava incluído que os municípios iriam definir as taxas que seriam cobradas, agora sim podemos falar de verdade do assunto.

Fonte: O Povo
E já que estamos falando de transporte, então estamos falando de Mobilidade Urbana e não é tão difícil notar que um dos maiores problemas do assunto é a utilização de carros. Só para termos uma noção, em 2014 atingimos a marca de 1 automóvel para cada 4,4 habitantes no Brasil e a média de ocupantes de um carro em São Paulo no ano de 2011 era de 1,4 pessoas. Se você da sua janela de ônibus, em pé apertado ou passando de bicicleta olhar para dentro dos carros notará que a quantidade de ocupantes dificilmente chega em 3 pessoas. Facilmente você nota uma ou duas pessoas, chega até a ser um pouco injusto para você que está apertado dentro do busão.

Percebem que nesses dados ainda não existem informações isoladas de transportes por meio de aplicativos? Porque é algo novo e após ler o livro “Mobilidade Urbana e cidadania” de Eduardo Alcântara de Vasconcellos fiquei me perguntando quais seriam os impactos no trânsito com esses aplicativos. Enviei um email para o autor e ele me chamou atenção para dois fatos interessantes: esses aplicativos são carros, com eles estão associados todos os impactos de um carro, e a tarifa desses serviços são “mais acessíveis”. Nosso principal problema são os carros, estamos incentivando mais carros, estamos pensando em políticas públicas para carros e estamos deixando de lado quem realmente pode resolver o problema da mobilidade, transporte público.

Com relação a tarifa destes aplicativos, elas são realmente menores em relação ao sistema de taxi e mais pessoas possuem acesso. Aí que mora o perigo, é realmente interessante que as pessoas tenham acesso a utilizar todo tipo de transporte, porém quando incentivamos esse tipo de sistema e permitimos que ele funcione de forma mais solta, haverá um grupo de pessoas que trocará seus deslocamentos de transporte coletivo pelo carro que te deixa na porta de casa, dessa forma o transporte coletivo perde na competição com esses aplicativos. O coletivo perde para o individual e a estrutura da cidade não aguenta tanto veículo individual circulando.

Não estou desconsiderando que em algumas cidades esses aplicativos já existem em modalidade compartilhada, que é uma alternativa interessante visando preencher ao máximo o veículo. Contudo o nosso principal foco deveria ser em avançar nossas políticas públicas pensando no coletivo, desde transporte coletivo e a bicicleta, integração entre sistemas. Falar de tudo isso é importante antes de focar na regulamentação.

Como estamos falando de uma cidade, por isso a noção de coletivo, precisamos lembrar que as vias são de uso comum e esses aplicativos utilizam as vias para lucrar e causam impactos nessas vias. Sei que já existem impostos com relação ao uso particular de um veículo pensando nos impactos das vias, contudo, só para terem uma ideia, o motorista do Uber que mais fez viagens em Fortaleza tem uma média de 20 viagens diárias, seria o equivalente a duas voltas e meia na Terra... não estou brincando, esses são dados disponibilizados pela empresa em comemoração de dois anos aqui em Fortaleza. A pessoa que mais utilizou o aplicativo já percorreu 9121km.... esses são só os maiores números, tem muita coisa ainda aí. Pense um pouco nos impactos disso tudo. A regulamentação só está cobrando 2% por viagem.

Válido lembrar que em março foi aprovado uma lei que inclui o transporte por aplicativo na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e que lá diz que os municípios vão fazer cobranças. A lei 204/2018 de Fortaleza coloca os pontos que já estão na PNMU e tem como taxa por viagem esses 2%, mas coloca que pode ser reduzido caso a empresa do aplicativo realize algumas ações que compensem os impactos dos seus serviços, ações em Mobilidade Urbana (isso os jornais não te mostraram, né? Isso algumas pessoas não te falaram, né?).

Outra exigência interessante é que a empresa compartilhe algumas informações com os órgãos públicos. Essas informações são sobre origens e destinos, tempo, distâncias, horários entre outras. São informações essenciais para planejarmos políticas públicas, porque além de ônibus, topic, metrô, taxi, teremos esses aplicativos com um impacto considerável nas vias da cidade. Então precisamos compreender esses dados para melhorar a cidade. Entretanto, tem um dos pontos da lei que não concordo, que diz que os veículos precisarão ter no máximo cinco anos. Aí sim vou concordar com a nota emitida pelo Uber quando diz que isso elitiza o sistema. Por outro lado, os carros terão identificação por adesiva e acredito que não preciso falar a importância disso depois das mortes de motoristas de aplicativos que tivemos esse ano.

A regulamentação desse tipo de transporte não é algo nova, seis países regulamentaram em 2016; em 2017 a União Europeia começou a discussão sobre a regulamentação. Por isso queria dizer que a lei não é de toda ruim e não vai impactar tanto negativamente quanto estão dizendo, válido lembrar que esses sistemas já estão impactando nossa cidade. Não podemos deixar de lado o olhar mais técnico, porque são argumentos construídos com ciência, seriedade. De leis na base do achismo e do que político A ou B acredita nós já estamos cheios e não estão funcionando, por mais que eu acredite que vereadores, de um modo geral, não tiveram esse olhar técnico.
Lucas Gonçalves Monte


FONTES:

“Câmara de Fortaleza aprova projeto de lei que cria regras para aplicativos de transporte” – Tribuna do Ceará:

"Uber estima que preço das viagens deve subir 80% em Fortaleza se Projeto de Lei for aprovado" - Tribuna do Ceará:

"Uber, 99 e Cabify comemoram regulamentação do transporte por aplicativo aprovada pela Câmara" - G1:

Alteração da Política Nacional de Mobilidade Urbana:

Regulamentação dos aplicativos pelo mundo:


Dois anos de Uber em Fortaleza: