sexta-feira, 3 de abril de 2015

Por que sou contra pena de morte?

Certa vez estava conversando com uma amiga sobre criminalidade quando um senhor escuta a conversa e diz “bandido bom é bandido morto e enterrado em pé para não ocupar espaço”. Diante daquela frase tento explicar porque sou contra pena de morte e esse tipo de visão. Como sempre nessas conversas surge a defesa por uma moral, tento mostrar que não temos essa moral suficiente para decidir quem vive ou morre, é bem simples:

Eu: mas, meu caro, se matar fosse a solução para nossos problemas teríamos que fazer uma chacina, porque quem é bandido é quem comete um crime e degradar meio ambiente, desrespeitar o outro, corrupção são crimes. Sem falar que só do senhor ter furado essa fila já cometeu um crime.

Ele: eu mesmo não! Só por que furei uma fila? Me respeite, moleque, porque eu passo dia todo trabalhando, o que furar fila tem haver?

Eu: oxe, mas quando o senhor fura uma fila está cometendo um crime, talvez até em menor escala, mas ainda é um crime e quem comete crime não é bandido? Então o senhor não deveria começar se matando? (ok, posso ter exagerado aqui)

Ele: furar fila uma vez perdida não me faz bandido. Você está dizendo que sou o igual a alguém que mata? Por favor, vá estudar.

Eu: então deixa eu tentar explicar: quando defendemos pena de morte estamos dizendo que de alguma forma somos capazes de dizer que alguém pode viver ou morrer, é como se a cada erro  que aquela pessoa cometesse ela fosse perdendo sua condição humana, até que chega um ponto que ela não pode mais ficar viva, então damos a pena de morte. Só que somos tão falhos quanto essa pessoa. Furar fila, desrespeitar a opção sexual de alguém, a cor, a ideia, a religião, sonegar impostos, não devolver o dinheiro quando recebemos errado são atos errados assim como quem rouba ou mata, talvez em níveis diferentes e de forma diluída, mas estamos errados da mesma forma, se fossemos contabilizar todos os nossos erros ao longo de nossa vida e fossemos rigorosos com os momentos que infringimos de alguma forma a lei, talvez merecêssemos pena de morte.

Ele: você só pode está brincando comigo. “Me diga com quem tu andas e direis quem és”, minha mãe sempre me disse, então não venha me comparar com qualquer maconheirosinho que tem por aí. Aliás, tive muito amigo que usou por muito tempo drogas e fiz foi me afastar, não queria me envolver. Éramos amigos, mas ele lá e eu cá, não queria me misturar com coisa errada, com drogas. Aposto que virou bandido como muitos por aí. Como eu disse, sou honesto e tenho minhas mãos limpas.

Eu: até consigo compreender o que o senhor diz, consigo entender sua visão. É chamada de visão reducionista e foi proposta, também, por René Descartes e até concordo que nos ajudou a progredir bastante, porém hoje já se é aceito que a visão reducionista não é capaz de resolver nossos atuais questionamentos e por isso limitada.

Daí surge a visão não-reducionista, ou sistêmica. Quando você diz que não possui responsabilidade está usando justamente a visão reducionista e se vendo isolado diante da sociedade, porém só seria possível se suas interações não interagissem com o resto da sociedade ou se de alguma forma ela não se propagasse, o que sabemos que não é verdade, pois sua fala já fez com que eu interagisse também e nossa troca de interações vai se propagar e essa propagação acaba caindo em uma rede de propagações.

Em resumo, não estamos isolados e nossas ações são propagadas. Quando você vê uma pessoa se acabando de alguma forma e escolhe não fazer nenhuma intervenção, por mais que seja um "amigo”, você está aceitando e permitindo que aquela pessoa se acabe daquela forma, então sim você tem responsabilidade. Talvez só não notamos esse peso, porque nossa relação com aquela pessoa é um pouco distante, lembrando da rede, mas se fosse um familiar bem próximo, talvez a história fosse diferente.

Essa visão pode ser levada para diversos outros setores e existem grandes nomes defensores dessa ideia: Capra, Maturana, Lovelock, Aldo Leopoldo, Lynn Margulis, Jane Goodall, além de diversos outros que em suas áreas foram capazes de ver esse padrão em rede.

Quando apoiamos a pena de morte estamos argumento que de alguma forma somos capazes de dizer que aquela pessoa tem que morrer e para isso teríamos que estar em um patamar de superioridade, só que a natureza não funciona assim, funciona em rede. Aí pode dizer: mas e o maior predador que pega o menor? Vendo esse ponto isolado é isso, mas se olharmos todo ciclo veremos que nele existe é uma relação de rede e não de superioridade.

Mencionei a natureza, porque nós também fazemos parte dela e a nossa sociedade também. Como eu tinha dito anteriormente nós não temos moral alguma para dizer quem pode viver ou morrer, porque nós somos tão falhos quanto quem mata.

A dúvida pode surgir porque não tocamos em uma arma, mas lembre-se que quando você permite até que uma pessoa se acabe nas drogas, você tem sim a morte daquela pessoa nas costas.

E daí pode não ser só drogas... quando você desmata, quando desperdiça água, quando simplesmente aceita algum tipo de agressão, todas as fatalidades em decorrência disso tem um dedinho nosso.

Se a pena de morte é a melhor medida para se evitar o crime e criminoso é quem infringe a lei, comecemos as mortes por nós mesmos, porque somos tão infratores como qualquer outra pessoa, em níveis diferentes e até de forma mais diluída, mas no fim somos iguais como pessoas e diferentes em nossas particularidades.




Ele entrou no ônibus esbravejando, minha amiga deu uma risada. Olhei para ela e disse: acho que assim vou ganhar inimigos kkkkkk


P.S.: a história é em partes real, mas com uma "boa" ficção





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